Release CD Mirianês Zabot canta Gonzaguinha - Pegou um Sonho e Partiu


“A voz suave de Mirianês Zabot desliza com segurança pelas canções de Gonzaguinha. A delicadeza dos arranjos ressalta um estilo próprio e é mais do que um convite para se deliciar com os dois: Mirianês e Gonzaguinha.”

Por Regina Echeverria
Jornalista e biógrafa, autora de Gonzaguinha e Gonzagão – Uma História Brasileira, em que se baseou o filme Gonzaga – De Pai pra Filho.



MIRIANÊS ZABOT CANTA GONZAGUINHA - PEGOU UM SONHO E PARTIU

Por Oscar Pilagallo, jornalista e escritor - Abril/2016


No ano em que lembramos um quarto de século sem Gonzaguinha, uma voz distinta soa suave e límpida para saudar a certeza da eterna presença do compositor. É a voz de Mirianês Zabot, dona de um poder balsâmico capaz de transformar aspereza em brandura, rascância em delicadeza, derramamento em contenção, tudo isso enquanto, mais do que preservar a essência do seu cancioneiro, lhe empresta novas e insuspeitadas possibilidades de interpretação.  

“Há muito tempo que eu caí na estrada”, canta Mirianês, e o verso bem que poderia se aplicar à sua própria trajetória. Adolescente em meados dos anos 90, ela deixou a cidadezinha de São João Bosco, desceu a serra gaúcha — como Gonzaguinha descera o morro São Carlos, no Estácio — e fez o que o coração mandava: “Pegou um sonho e partiu”. Não por acaso a frase batiza o álbum dedicado ao autor de “Com a Perna no Mundo”, uma das faixas mais autobiográficas do CD.

Gonzaguinha ganhou interpretações inesquecíveis de divas da música popular brasileira, entre elas Elis Regina, Maria Bethânia, Claudette Soares e Simone. Pois nessa constelação, a estrela de Mirianês, já vislumbrada no trabalho anterior, Mosaico Foto-Prosaico, pisca com uma luminosidade abundante, como a demonstrar que interpretações podem ser inesquecíveis, sim, mas não definitivas.

Se não, vejamos.

Em “Maravida”, Mirianês eleva o tom maior a um registro solar, que ilumina a exclamação “vida, vida, vida / que seja do jeito que for”. A faixa, aliás, que abre o CD com a expressão “era uma vez”, sugere uma abordagem narrativa do projeto, confirmada pela escolha acertada do repertório, que passeia entre o lírico e o cáustico, o romântico e o engajado, trazendo à tona as várias facetas de Gonzaguinha.

Nas outras baladas, Mirianês sublinha com sutileza as intenções que lê nas palavras do compositor: é quase saltitante em “Caminhos do Coração” e de uma intensidade crescente em “Sangrando”, à qual imprime a marca indelével de introspeção genuína, também presente em “Feliz”, que, a propósito, recebe um eficiente tratamento blusístico.

A versatilidade de Mirianês sobra ao puxar os sambas contagiantes de Gonzaguinha. Transmite uma alegria libertadora em “Com a Perna no Mundo”, sabe sorrir do humor carnavalesco e nonsense de “Desenredo (G.R.E.S. Unidos do Pau-Brasil)”, uma parceria com Ivan Lins, é mordaz na medida em “Comportamento Geral” e tempera ironia com solidariedade em “Um Sorriso nos Lábios”. Tivesse nascido na Lapa, melhor não faria essa gaúcha, carioca da gema por vocação e merecimento.

Pegou um Sonho e Partiu passa ainda pela bossa nova. “Espere por Mim, Morena”, MPB rasgada no vozeirão de Gonzaguinha, rende um momento intimista, que a aproxima daquela outra famosa morena, a dos olhos d’água. E “De Volta ao Começo” marca um encontro de gerações que fecha um círculo virtuoso — no caso, a reunião da primeira e da mais recente intérprete do compositor. Como polos opostos que se tocam, a emoção incontida de Claudette Soares e o controle estudado de Mirianês confluem para um dueto tão surpreendente quanto fecundo.

O CD dedicado ao filho do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, visita, por fim, o Nordeste profundo com “Galope”, que dá vazão ao vocal enérgico de Mirianês, valorizado pelo andamento ligeiramente desacelerado e, sobretudo, pelo arranjo, que recobre o agreste da canção com uma sonoridade moderna, mas sempre fiel à sua natureza.

Respeito, não reverência; criatividade, não invencionice — talvez seja essa, a melhor definição dos arranjos assinados por Oswaldo Bosbah, também responsável, ao lado de Mirianês, pela produção musical. Para realizar essa concepção, Bosbah, que toca violão em todas as faixas, contou com o pianista Marinho Boffa, que acompanhou Gonzaguinha em show e gravação. A banda é formada ainda por Mário Manga (guitarra e violoncelo), Welington Moreira, o Pimpa, na percussão, Pratinha Saraiva (flauta e bandolim), e dois ex-integrantes do Zimbo Trio: o baixista Itamar Collaço e o baterista Percio Sapia.

O CD fecha com uma faixa bônus, “Vidas Idas”, um samba de Bosbah e Mirianês que dialoga com o universo do compositor.

Por isso tudo, parafraseando Gonzaguinha, diga-se: quando ela soltar sua voz, por favor, escute.



Oscar Pilagallo é jornalista, autor do ensaio musical-biográfico Roberto Carlos e do verbete sobre Yamandú Costa da coletânea Música Popular Hoje (ambos pela Publifolha). Escreveu também uma história geral da música brasileira para a Enciclopédia do Estudante, do jornal O Estado de S. Paulo. Trabalhou na BBC de Londres e é colaborador da Folha e do Valor.




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“Mirianês Zabot’s charming voice glides consistently through Gonzaguinha’s songs. The mild arrangements highlights a personal style and is more than an invitation to delight with them: Mirianês and Gonzaguinha.”

By Regina Echeverria
Journalist and biographer, author of “Gonzaguinha e Gonzagão – Uma História Brasileira”, in which the movie “Gonzaga – De Pai pra Filho” was based.



MIRIANÊS ZABOT CANTA GONZAGUINHA - PEGOU UM SONHO E PARTIU

By Oscar Pilagallo, journalist and writer

In the year we remember a quarter of a century without Gonzaguinha, a distinct voice sounds gentle and clean to salute the assurance of the eternal presence of the composer. It’s the Brazilian Mirianês Zabot’s voice, owner of a balsamic power capable of transforming roughness in kindness, astringency in delicacy, outpouring in contention, and at the same time, more than just preserving the essence of the song writer, she gives him new and unsuspected possibilities of interpretation.

“Há muito tempo que eu caí na estrada”, sings Mirianês, and the verse fits well to her own trajectory. Teenager into mid 90’s, she left the small town of São João Bosco, went down the Serra Gaúcha – just like Gonzaguinha went down the hill of São Carlos, at Estácio – and she did what her heart was telling her to do: “Pegou um sonho e partiu”, followed her dream. Not by coincidence, the phrase names the album dedicated to the composer of  “Com a Perna no Mundo”, the most biographical track on the CD.

Gonzaguinha songs have unforgettable interpretations by many divas of Brazilian Popular Music such as Elis Regina, Maria Bethânia, Claudette Soares and Simone. In this constellation, the star of Mirianês, already glimpsed in a previous work named Mosaico Foto-Prosaico, blinks with new and profuse shine, as if to show that interpretations can be unforgettable, but not final.

If not, let us see.

In “Maravida”, Mirianês elevates the major tone to a solar tessiture that illuminates the exclamation “Vida, vida, vida / que seja do jeito que for”. The track that, by the way, opens the CD with the expression ‘once upon a time’, suggests the narrative approach of the project,  confirmed by the right choice of the repertoire that transits between the lyric and the caustic, the romantic and the engaged, bringing to the surface the many faces of Gonzaguinha.

In other ballads, Mirianês subtle underlines the intentions that she reads at the composers lyrics: almost fleet-footed in “Caminhos do Coração” and of a growing intensity in “Sangrando”, to which she prints the indelible mark of genuine introspection, also present at “Feliz” that, incidentally, has an effective bluesy treatment.

The versatility of Mirianês overflows by singing Gonzaguinha’s contagious sambas, communicating a liberating joy in “Com a Perna no Mundo”, laughing about the carnival non-sense humor of “Desenredo (G.R.E.S. Unidos do Pau-Brasil)”, composed in partnership with Ivan Lins. She is scathing in “Comportamento Geral” and in her way to season “Um Sorriso nos Lábios” with irony and solidarity. If she were born in Lapa, this gaúcha would not do better, an authentic carioca da gema by vocation and merit.

Pegou um Sonho e Partiu also stopovers bossa nova. “Espere por Mim, Morena”, torn by the booming voice of Gonzaguinha, creates a moment of intimacy, approaching it to that other morena, the one with weepy eyes, and “De Volta ao Começo” marks a meeting of generations that closes a virtuous circle – the encounter of the first with the most recent interpreter of the composer. Like opposite sides that come across, the uncontained emotion of Claudette Soares and the refined control of Mirianês conjoin in a duet that is, at the same time, surprising and fruitful.

The CD, dedicated to the son of the King of Baião, Luiz Gonzaga, visits, in the end, the far northeast with “Galope”, that outflows the energetic voice of Mirianês, enriched by the slightly decelerated pace and, above all, by the arrangement, overlying the desolation of the song with a modern sound, but always true to its nature.

Respect but not reverence, creativity instead of meaningless inventions – might be the best definition for the arrangements signed by Oswaldo Bosbah, also responsible, side by side to Mirianês, for the music production. To make this happen, Bosbah, that plays guitar on all tracks, featured the pianist Marinho Boffa that accompanied Gonzaguinha in shows and recordings. The group is completed by Mario Manga, electric guitar and cello, Welington Moreira, also known as Pimpa, percussions, Pratinha Saraiva, flute and mandolin, and two former musicians of Zimbo Trio: Itamar Collaço on the bass and  Percio Sapia playing the drums.

The CD closes with the bonus track “Vidas Idas”, a samba composed by Bosbah and Mirianês that dialogues with Gonzaguinha’s universe.

For all that, paraphrasing Gonzaguinha: when she lets her voice go, please, listen.



Oscar Pilagallo is a Brazilian journalist, author of the biographical and musical essay Roberto Carlos and of the entry about Yamandú Costa in the compilation Música Popular Hoje (both published by Publifolha); writer of a general History of Brazilian Music for Enciclopédia do Estudante, published  by the newspaper O Estado de São Paulo. He also worked at the BBC in London and currently writes for Folha de S.Paulo and Valor Econômico.

(Translated by Fernando Falci de Souza)

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